Yoga laico: afinal, a prática é ou não religiosa?
Conversamos com a professora Nina Tassi sobre o termo yoga laico e a relação entre prática e religião.
Você já escutou falar no chamado yoga laico? O termo ganhou atenção ao longo do início de 2023 ao se tornar alvo de uma discussão acalorada entre usuários do Twitter.
De um lado, a autora da publicação diz que deseja praticar o tal yoga laico — nas palavras da mesma: “só o exercício, sem a venda casada com o misticismo.”
Do outro lado, as respostas foram variadas, indo desde de concordâncias até aquelas pessoas que acreditam que o yoga laico em questão é um desrespeito à origem cultural da prática.
Então, o que é correto?
O debate levanta pontos importantes e questionamentos legítimos.
E a conclusão de cada pessoa sobre o assunto tende a ser particular às suas crenças e valores. Mas, apesar disso, trazemos aqui algumas informações que podem te ajudar a formar sua própria opinião sobre o tema.
Confira abaixo o resumo deste texto:
- Laicidade e o yoga laico
- Entendendo yoga laico através da diferença entre religião e espiritualidade
- O yoga laico ignora as origens da prática?
- Um yoga laico é um yoga embranquecido e colonizado?
- Yoga laico e o papel de quem te instrui na prática
- Quando realizamos apenas os asanas, estamos praticando yoga?
- Yoga laico também pode ser espiritual
Laicidade e o yoga laico
Para entender o que realmente significa um yoga laico, é extremamente importante entendermos primeiro o que é a chamada laicidade.
De acordo com definição no dicionário, aquilo que é laico não faz parte de instituição ou ordem religiosa, assim como não recebe influência de qualquer religião.
Isso não quer dizer que pessoas com crenças religiosas não possam participar de práticas ou instituições laicas. Significa apenas que onde há laicidade, suas crenças pessoais não devem interferir.
O Brasil, por exemplo, é um Estado Laico. O que significa que o país não adota uma religião única ou considerada oficial, e deve promover o respeito a todas as religiões. Além disso, decisões que dizem respeito ao Estado não devem ser influenciadas por crenças e diretrizes religiosas.
Agora vamos aplicar essas definições ao yoga.
A laicidade é possível na prática?
Em tese, podemos dizer que sim.
Afinal, você não precisa fazer parte de uma religião específica para praticar yoga, e a atividade não exclui pessoas com base em suas religiões.
Já a parte de influências religiosas pode variar.
E a Arimo chamou a professora de yoga Nina Tassi para explicar um pouco melhor sobre isso.
Arimo: A forma como a relação entre yoga e práticas religiosas é transmitida para praticantes pode mudar de acordo com quem instrui a prática?
Nina Tassi: Com certeza sim. Não só a relação entre o Yoga e práticas religiosas, como tudo sobre o Yoga. Já fiz aulas de Yoga com diferentes professores e, ainda que seguissem uma mesma vertente, as aulas eram completamente diferentes. Isso já acontece em qualquer aula, mas o Yoga é uma filosofia de vida com mais de 5 mil anos, a quantidade de livros, estudos e interpretações é enorme, e a minha interpretação desses materiais é, provavelmente, muito diferente da interpretação de outros tantos professores.
Entendendo yoga laico através da diferença entre religião e espiritualidade
Outra forma de entender o chamado yoga laico é separar religião de espiritualidade. Isto porque o yoga é, de fato, uma prática que busca equilibrar corpo, mente e espírito. Mas isso não quer dizer que uma religião precisa orientar essa jornada.
Até porque a busca do equilíbrio no yoga se trata mais de uma conexão sua consigo do que com uma divindade especificamente religiosa.
É sobre espiritualidade, e não sobre religiosidade.
Afinal a religião pode limitar seus adeptos às próprias diretrizes e mentalidades pregadas. Já a espiritualidade é um caminho mais livre, onde você pode — ou não — fazer parte de uma religião, enquanto busca por propósito na vida e compreensão de si e do mundo.
O yoga, por exemplo, pode ser o caminho escolhido para isso.
Portanto, espiritualidade e yoga andam lado a lado. E a professora Nina Tassi detalha essa relação, em face da constante associação entre yoga e religião.
Arimo: Afinal, qual é a relação entre yoga e religião?
Nina: O Yoga está diretamente ligado à espiritualidade, não à religião. Ricardo Lindemann, na apresentação do livro A Senda do Yoga de Maria Laura Garcia Parker, diz que a palavra “Yoga” significa, em sânscrito, “união”, referindo-se a reintegração do ser humano com a própria consciência ou essência espiritual. Portanto, nesse caminho de autoconhecimento é importante que nossas crenças nos tornem pessoas melhores e cada vez mais conscientes de nós mesmos, do outro e do mundo.
Um yoga laico ignora as origens da prática?
“É extremamente importante que saibamos que o Yoga e o Hinduísmo se relacionam porque se originam há milhares de anos na mesma cultura — a cultura indiana.”
A pontuação da professora Nina Tassi levanta uma questão super importante para entender a laicidade no yoga: suas origens.
Na discussão que ocorreu no Twitter, inclusive, esse foi um ponto muito pautado pelas pessoas. Afinal, quando buscamos um yoga laico, isso não quer dizer que estamos distanciando a prática de seu contexto de criação?
De acordo com a professora, não necessariamente. Isto porque ela explica que “[o yoga e o hinduísmo] são independentes.” Ou seja, você não precisa praticar um para ser adepto de outro.
Voltamos novamente ao fato de que a prática de yoga não exige qualquer prática religiosa, assim como não exclui religiões.
“Ricardo Lindemann, mais uma vez, na apresentação do livro A Senda do Yoga de Maria Laura Garcia Parker, diz que o Yoga é essencialmente um caminho de libertação, e não existe liberdade quando só uma crença é a correta. Não só é possível, como é necessário um Yoga laico,” afirma Nina Tassi.
Um yoga laico é um yoga embranquecido e colonizado?
A instrutora de yoga também oferece sua visão sobre outro ponto importante dessa discussão: o que aponta o yoga laico como um yoga colonizado e branco.
E, portanto, um yoga que renega a origem asiática da atividade, além de apropriar culturalmente a prática.
A questão é extremamente delicada.
Arimo: Na discussão que se originou no Twitter sobre o chamado yoga laico, uma pessoa pontuou que a ideia de um yoga sem “misticismo” é um yoga colonizado e embranquecido. Como professora, você também enxerga dessa forma?
Nina Tassi: Não. Acredito que é muito importante encontrarmos um meio termo, o Yoga não é meramente uma metodologia de treino, mas também não é uma seita. É essencial que respeitemos a história do Yoga e a sua filosofia, que entendamos a prática para além do tapetinho, um estilo de vida consciente e crítico do ponto de vista corporal, social, ambiental, político(…), mas é igualmente essencial que essa filosofia seja acessível e adaptável para todos os corpos, classes sociais, crenças e século XXI.
Yoga laico e o papel de quem te instrui na prática
Como dito anteriormente, a forma como aprendemos e absorvemos o yoga pode variar muito, de acordo com quem nos ensina.
São diversas as modalidades da prática e as possibilidades de interpretação de seus textos e funções. Além disso, há pessoas que, de fato, relacionam a prática da atividade com a religião hindu, por exemplo. E tudo isso pode afetar a forma como a atividade nos é transmitida.
Com isso, podemos dar dois conselhos: manter a mente aberta e não desrespeite seus limites.
A mente aberta porque é possível que você encontre uma nova afinidade em um modo de pensar e ver o mundo que não era inicialmente o seu.
Você pode, por exemplo, passar a acreditar na existência de uma energia vital inerente ao ser humano.
Já o conselho de não desrespeitar seus limites é para que você não se deixe levar por pressões alheias.
Se você não se sente bem com a mentalidade proposta por quem te instrui, você não precisa se adequar a ela. É possível buscar um yoga que te abrace e seja receptivo às suas particularidades.
Quando realizamos apenas os asanas, estamos praticando yoga?
Apesar de ser amplamente conhecido por suas posturas, o yoga não se resume a esse tipo de exercício. Apenas para mencionar outras características que definem a prática, podemos citar também os pranayamas (exercícios de respiração), a meditação e os mudras (gestos feitos com as mãos).
Então, sabendo disso, já podemos responder à pergunta deste tópico. A realização isolada de asanas, sem esses outros exercícios, não é definida como yoga. É mais como uma sessão de alongamentos.
Afinal, além dos exercícios físicos, o yoga também abrange aspectos mentais — como o trabalho de foco, relaxamento, etc — e espirituais — conexão interna e com o universo.
Então, se você realmente não tem interesse na forma conjunta como o yoga trabalha — corpo, mente e espírito — talvez seja o momento de buscar outra atividade.
Aulas de alongamento mesmo são uma opção, assim como o pilates e outros exercícios que focam especialmente no aspecto físico.
A própria instrutora de yoga Nina Tassi reforça essa visão.
Arimo: É possível focar só no exercício físico proposto pelo yoga?
Nina: Sim, é possível, mas eu não chamaria de Yoga. O Yoga envolve mente, corpo e espírito, portanto a prática de exercícios físicos é importante, mas não é tudo.
Yoga laico também pode ser espiritual
Por fim, podemos falar sobre como o yoga laico e a espiritualidade não se anulam. Na verdade, os dois se complementam.
Lembre-se da diferença entre religião e espiritualidade que mencionamos anteriormente.
Uma é formada por um conjunto de mentalidades e a outra é mais livre, permitindo que você explore diferentes pensamentos e práticas.
E o yoga pode fazer parte desse explorar justamente por ser uma prática que também visa o bem-estar e o equilíbrio espiritual.
A discussão é complexa, mas vale a pena para entendermos melhor o contexto histórico e atual do yoga.
É importante ressaltar que a discussão sobre yoga laico é um campo aberto. Novas visões e opiniões são sempre bem vindas, e devem sempre ser analisadas cuidadosamente. Além disso, é necessário reforçar que o respeito ao yoga como uma prática cultural indiana é imprescindível.