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Por uma sociedade sem manicômios: o que é a luta antimanicomial e por que ela é importante?

Imagem ilustrativa do texto "Por uma sociedade sem manicômios: o que é a luta antimanicomial e por que ela é importante?" para o blog da Arimo.

Você sabe o que é a luta antimanicomial? Entende sua relevância? A causa é nobre e especialista te conta o por quê.


Quando falamos sobre setembro amarelo e percebemos como a discussão sobre saúde mental vem avançando no Brasil, nem parece que há 20 anos o país vivia uma outra realidade

Há cerca de duas décadas, por exemplo, a ideia de tratamentos para transtornos mentais ainda era frequentemente relacionada aos chamados manicômios.

Esses hospitais psiquiátricos eram espaços em que pessoas com algum tipo de sofrimento psicológico ficavam internadas para serem devidamente cuidadas. 

Mas o que se revelou ao longo dos anos foi que o tratamento que essas pessoas precisavam não era exatamente o que recebiam. 

Superlotação, maus tratos, internações compulsórias, tortura e um sistema tomado por diversos tipos de preconceito. Essas eram apenas algumas das características que definiam o que os hospitais psiquiátricos ofereciam a seus pacientes. Aspectos esses que, uma vez revelados e compreendidos, motivaram o que chamamos de luta antimanicomial.

O movimento, que ganhou força por aqui na década de 70, hoje acumula avanços na sociedade, mas ainda é desconhecido para muitas pessoas.

Você já ouviu falar na luta antimanicomial? Sabe qual é o seu objetivo? Conhece suas conquistas? 

Seja durante o período de Setembro Amarelo ou fora dele, esta é uma pauta que merece toda a nossa atenção. Então venha conhecer um pouco mais sobre esse movimento. Neste texto, dividimos o assunto entre os seguintes tópicos:

  • O que é a luta antimanicomial?
  • Como funcionava o tratamento de saúde mental antes da Reforma Psiquiátrica
  • Tratamento de saúde mental após a Reforma Psiquiátrica
  • Quais são as conquistas da luta antimanicomial até o momento?
  • Por que o movimento antimanicomial ainda é atual e tão importante?
  • Bate papo com psicólogo João Eduardo Cordeiro Pereira

O que é a luta antimanicomial?

A luta antimanicomial pode ser definida, de forma muito sucinta, como um movimento que visa o fim da lógica manicomial para tratamento de pessoas com sofrimento mental. Ou seja, busca romper com a ideia de que hospitais psiquiátricos são os lugares ideais para essas pessoas, e que só ali podem viver plenamente.

O lema “por uma sociedade sem manicômios” também resume bem o objetivo da causa. Mas é extremamente importante entender o movimento como a luta pela liberdade para todos, sem exclusão. Afinal, é exatamente isso que a lógica de funcionamento desse tipo de hospital promove: o encarceramento e isolamento de seus pacientes da sociedade.

“O cenário era de retirada dessa população da sua circulação social em detrimento de um enclausuramento em hospitais psiquiátricos (“manicômios”) sem perspectivas de tratamento efetivo e de reinserção,” explica o psicólogo clínico e hospitalar João Eduardo Cordeiro Pereira sobre a realidade brasileira até o início dos anos 2000.

Ressaltamos aqui o início dos anos 2000 porque foi somente em 2001, após tramitar por mais de dez anos, que a lei 10.216 foi sancionada. E a partir de então se estabeleceu um conjunto de diretrizes que definiram os direitos e a proteção de pessoas com transtornos mentais.

Um marco de extrema importância para a causa.

Afinal, quais foram as mudanças estabelecidas pela lei 10.216?

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Para entender as transformações motivadas pela lei 10.216 — ou lei da Reforma Psiquiátrica —, é preciso entender o que acontecia no âmbito da saúde mental antes dela. O psicólogo João Eduardo Cordeiro Pereira oferece um panorama destes dois momentos.

Como funcionava o tratamento de saúde mental antes da Reforma Psiquiátrica

“O cenário anterior se baseava em dois princípios centrais: a diminuição ou quase ausência de garantias legais para essa população e setor. Assim como, uma ênfase bastante empobrecida quanto às lógicas saudáveis de fato para tratamento em saúde mental.

Desse modo, baseando-se em uma lógica com ênfase na hospitalização e no saber médico, e de exclusão social dos portadores de deficiência física, cognitiva e intelectual, pessoas portadoras de transtornos mentais/em sofrimento psíquico e em uso abusivo de álcool e outras drogas.”

Tratamento de saúde mental após a Reforma Psiquiátrica

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O profissional conta que atualmente, com a lei em vigor, o tratamento desses pacientes se transformou por completo. O isolamento em hospitais psiquiátricos deu lugar a práticas inclusivas e que visam a reinserção na sociedade. Isso sem deixar de reconhecer as limitações e diferenças dessas pessoas. 

Vale contar também que os atuais processos de tratamento incluem e incentivam a participação familiar. Desta forma, se desencoraja uma prática muito comum nos tempos dos hospitais psiquiátricos: a de familiares que abandonam pacientes nesses espaços.

A partir de então, o tratamento se dá dentro e fora de casa, em centros de apoio, com orientação médica, participação familiar e convívio social.

Essa nova lógica de funcionamento, vale notar, não exclui a existência de espaços voltados para o cuidado com a saúde mental. Na verdade, a lei da Reforma Psiquiátrica embasou a criação de novos espaços, que visam justamente o tratamento mais humanizado, como:

  • Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)
  • Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT)
  • Unidades de acolhimento (UA)

João Eduardo Cordeiro Pereira aponta ainda a utilização de leitos em Hospital Geral, “a fim de desativar hospitais exclusivamente psiquiátricos” e a ação de Equipes Multiprofissionais.

Neste último caso, o objetivo é descentralizar o saber que orienta os tratamentos: não apenas considerando a medicina tradicional, como também as terapias alternativas.

“São essas, instituições e pontos de referência pertencentes à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Esta composta por uma série de elementos pertencentes ao paradigma da desinstitucionalização do tratamento em saúde mental: frutos da luta antimanicomial,” afirma o psicólogo.

Quais são as conquistas da luta antimanicomial até o momento?

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Considerando os assuntos abordados nos tópicos anteriores, podemos listar algumas conquistas da luta antimanicomial.

  • Aprovação e sanção da Lei 10.216, que instituiu a Reforma Psiquiátrica
  • Garantia de liberdade também para: portadores de deficiência física, cognitiva e intelectual, pessoas portadoras de transtornos mentais/em sofrimento psíquico e em uso abusivo de álcool
  • Tratamentos com foco na inclusão e reinserção dessas pessoas no âmbito familiar e na sociedade
  • Criação de instituições e pontos de referência com tratamento humanizado
  • Desativação de hospitais psiquiátricos, os chamados manicômios
  • Desconstrução de estigmas relacionados à saúde mental

Por que o movimento antimanicomial ainda é atual e tão importante?

Algumas pessoas podem não entender por qual motivo a luta antimanicomial segue existindo, mesmo após a Reforma Psiquiátrica. Afinal, após a lei 10.216 ser aprovada e sancionada, foram inúmeros os avanços conquistados por ela, como já vimos anteriormente.

Questionado sobre isso, o psicólogo e parceiro da Arimo respondeu que, mesmo diante das conquistas, a luta antimanicomial nunca deixou de existir — e nem deve! 

“Principalmente diante dos retrocessos em andamento no atual Governo Federal [liderado por Jair Bolsonaro/2022] e iniciados com mais ênfase desde o estremecimento da democracia nacional, em 2016,” afirma. O profissional conta também que neste momento, há governantes que defendem o retorno ao modelo dito manicomial.

Mas a ameaça às transformações estabelecidas pela Reforma Psiquiátrica está longe de se limitar apenas aos espaços ocupados por esses ditos políticos. 

“Outro fator é a insistência do pensamento manicomial tanto na formação como na atuação dos profissionais, mesmo os atuantes contemporaneamente em instituições de modelo antimanicomial,” explica João Eduardo Cordeiro Pereira.

Ele ressalta também o papel da população.

Já que, apesar de termos avançado muito nas discussões sobre saúde mental, ainda há, na sociedade, pensamentos preconceituosos disseminados pela ignorância.

Ou seja, a falta de conhecimento e fundamento científico permitem que esses estigmas negativos se perpetuem diante de casos de sofrimento mental. E as pessoas que convivem — direta ou indiretamente — com isso, ainda sofrem diante de uma sociedade bastante preconceituosa.

Por isso, por mais que a luta antimanicomial tenha garantido conquistas através da Reforma Psiquiátrica, ainda é super importante levantarmos a bandeira da causa.

Por uma sociedade sem manicômios. Por uma sociedade com liberdade para todas as pessoas, sem exceção. Por uma sociedade em que o sofrimento mental não seja motivo para mais sofrimento, mas que seja tratado de forma humanizada, sem isolar da sociedade quem já sofre com isso.

Bate papo com psicólogo João Eduardo Cordeiro Pereira

Para fechar esse texto, trazemos a íntegra de um bate-papo super interessante e didático com o psicólogo clínico e hospitalar João Eduardo Cordeiro Pereira. Confira!

Arimo: Atualmente temos uma legislação vigente que é caracterizada como antimanicomial. Você poderia explicar como era o cenário para pessoas com transtornos mentais antes dessa lei ser aprovada e como ela afeta a vida dessas pessoas hoje em dia?

João Eduardo Cordeiro Pereira: Sim, desde a promulgação da Constituição Federal (1988), da consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) (1990) e os processos das Reformas Sanitária (1970 – 1980) e Psiquiátrica (2001) a luta antimanicomial vem, desde então, se solidificando no cenário brasileiro.

Todo esse processo se constitui a partir de uma série de legislações em constante criação, aprovação e readequação desde seu início, contendo Leis, Portarias,
Planos, Políticas Nacionais, Estaduais e Municipais, por exemplo.

O cenário anterior se baseava em dois princípios centrais: a diminuição ou quase ausência de garantias legais para essa população e setor. Assim como, uma ênfase bastante empobrecida quanto às lógicas saudáveis de fato para tratamento em saúde mental.

Desse modo, baseando-se em uma lógica hospitalocêntrica (ênfase na hospitalização e no saber médico) e de exclusão social dos portadores de deficiência física, cognitiva e intelectual, pessoas portadoras de transtornos mentais / em sofrimento psíquico e em uso abusivo de álcool e outras drogas.

Se anteriormente o cenário era de retirada dessa população da sua circulação social em detrimento de um enclausuramento em hospitais psiquiátricos (“manicômios”) sem perspectivas de tratamento efetivo e de reinserção. Hoje, a lógica objetiva se sustentar em um ideal de tratamento mais inclusivo, contando com a participação social e familiar e com visada à reinserção social dos pacientes em questão, reconhecendo suas limitações e diferenças.

Para isso, se pode contar com instituições e políticas alternativas ao modelo manicomial, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Unidades de acolhimento (UA), Leitos em Hospital Geral (a fim de desativar hospitais exclusivamente psiquiátricos) e Equipes Multiprofissionais (objetivando a descentralização do saber em relação a medicina).

São essas, instituições e pontos de referência pertencentes à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Esta compostas por uma série de elementos pertencentes ao paradigma da desinstitucionalização do tratamento em saúde mental: frutos da luta antimanicomial.

Assim, a atual política de saúde mental afeta muito mais positivamente a vida dos pacientes e seus familiares, possibilitando um tratamento dentro do próprio contexto de cada cidadão e concomitantemente ao esforço da participação familiar e de resgate das autonomias de cada sujeito, considerando enfaticamente suas singularidades no decorrer desse processo.

Arimo: A luta antimanicomial continua a existir mesmo após a aprovação dessa lei. Qual é a importância disso? Ainda há esforços contrários a esse movimento, que visam desfazer as conquistas dessa lei nos últimos anos?

João Eduardo Cordeiro Pereira: Sim, a luta nunca deixou de existir e nem pode perder forças, principalmente diante dos retrocessos em andamento no atual Governo Federal (Jair Bolsonaro/2022) e iniciados com mais ênfase desde o estremecimento da democracia nacional, em 2016.

Atualmente, tem-se visto uma série de propostas de medidas contrárias a luta antimanicomial e de sucateamento de diversas áreas da saúde por parte de atuais governantes.

Logo, com ênfase no retorno ao modelo anterior: o dito manicomial e centrado no saber médico e na instituição hospitalar e comunidades terapêuticas, por exemplo.

Outro fator é que embora haja toda uma nova roupagem e incentivos legais para o surgimento e cumprimento da nova lógica em saúde mental, constantemente ela é posta em xeque por vários outros fatores além da fragilização das leis e retrocessos associados.

São eles a insistência do pensamento manicomial tanto na formação como na atuação dos profissionais, mesmo os atuantes contemporaneamente em instituições de modelo antimanicomial. E também pela própria população, que, ao passo que desconhece as diferenças entre as lógicas manicomiais e antimanicomiais, perpetua ações e pensamentos preconceituosos ou sem fundamento científico diante das aparições do sofrimento mental na circulação social e também em âmbito individual.

Arimo: Além das pessoas que passam por algum tipo de transtorno mental, quem mais é afetado pelo progresso ou retrocesso no movimento antimanicomial? 

João Eduardo Cordeiro Pereira: Claramente os demais atores desse processo, sendo eles os profissionais e os familiares dos pacientes. Isso porque a interação entre ambos é constante e a ideia é de que, na luta antimanicomial, ninguém atua sozinho. Logo, se trata sempre de uma tríplice [relação] entre paciente – profissionais – e família, visando ao atendimento humanizado. 

Nesse sentido, ambos são afetados diretamente pelos progressos e pelos retrocessos. Pacientes e famílias, no quesito do acesso e da qualidade do atendimento. E profissionais, no quesito das condições e meios de trabalho, por exemplo.

Arimo: Nós, como sociedade, avançamos bastante no que diz respeito a discussões sobre saúde mental. Mas mesmo nesse momento, certamente ainda há desafios no movimento antimanicomial. Quais são os principais?

João Eduardo Cordeiro Pereira: Bom, diante dos atuais retrocessos governamentais, um dos principais desafios é barrar a perda das conquistas já alcançadas. 

Além disso, por se tratar de um processo ambíguo e onde mesmo diante dos avanços dele, continuamente nos deparamos com resistências aos processos de mudança e empuxos a permanência da lógica manicomial. 

De todo modo, a Reforma Psiquiátrica é recente (21 anos) e não se encontra totalmente consolidada, pelo contrário. Talvez a continuidade da sua consolidação frente a um atual governo [de Bolsonaro, em 2022] que enfatiza o retorno à lógica hospitalocêntrica e manicomial, atuando com cortes de investimento nesse setor da saúde, se configure como nosso maior desafio, acredito.

Arimo: Na sua opinião profissional, qual é o papel de instituições de apoio psicológico para pessoas em necessidade de tratamento — seja temporário ou constante?

João Eduardo Cordeiro Pereira: Acredito que, primeiramente, seja o resgate da saúde mental dos pacientes assistidos, independentemente da instituição ou modelo de trabalho. 

Claro que entre serviços públicos e privados, ambulatoriais ou hospitalares sempre há diferenças. Mas acredito na primazia da qualidade do atendimento prestado e no enfoque a singularidade tanto das demandas de cada paciente, assim como de cada direção de tratamento, independente do modelo de atendimento (grupal, individual, semanal, quinzenal, etc.). 

Para mim, isso é o que mais se aproxima da política de humanização, proposta importante ligada aos atendimentos em saúde no SUS. 

Além disso, chamo a atenção para os riscos de voltar o trabalho em saúde mental a uma lógica totalitária e centralizadora. Pois, o objetivo mais saudável e abrangente desse tipo de trabalho deve ser o que alcance a maioria das pessoas em suas individualidades e garantindo acesso (universidade), considerando suas especificidades (equidade) de maneira integral (integralidade). São esses os princípios do SUS, por exemplo, os quais podem auxiliar na compreensão e organização da oferta de tratamento também em saúde mental.


A Arimo agradece a disponibilidade de João Eduardo Cordeiro Pereira (CRP: 08 / 30897) para a consultoria deste artigo. Este texto tem caráter introdutório e não contempla toda a complexidade da luta antimanicomial. A leitura acima, no entanto, serve como uma porta de entrada para você, que até o momento, não conhecia muito sobre o movimento. 

E lembre-se: se você ou alguém próximo está precisando de ajuda, ligue 188 e busque orientação na unidade médica do SUS mais próxima de você.

Interessou-se pelo assunto? Confira esses materiais de apoio:

Podcast Pauta Pública

Nise – O coração da loucura: Filme nacional, disponível na plataforma HBO Max, sobre psiquiatra brasileira que se opunha aos tratamentos nocivos em hospitais psiquiátricos.

Bicho de Sete Cabeças: Filme nacional, disponível na Netflix, sobre um adolescente que é internado a força por seus pais após acharem um cigarro de maconha em seu bolso. Baseado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano Bueno, Canto dos Malditos.

Leia também: Por que é tão importante cuidar da saúde mental?

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